Os principais conflitos na escritura de Compra e Venda

Desde a elaboração até o registro é necessário ter atenção para evitar situações de conflito na aquisição imobiliária

Numa negociação imobiliária é necessário que o corretor de imóveis conheça com profundidade documentos que fazem parte deste processo. Um deles, de grande importância, é a Escritura de Compra e Venda que instrumentaliza a transação, atestando que o antigo dono do imóvel vendeu a unidade para o comprador.

O Código Civil determina a obrigatoriedade da escritura pública em negociações imobiliárias que superem trinta vezes o valor do salário mínimo em vigor.

Devem constar na escritura as informações pessoais das partes envolvidas na negociação do imóvel. Representa a qualificação do vendedor e do comprador para que ambos estejam completamente identificados. Para isso são necessários os seguintes documentos e informações:

– RG e CPF (incluindo do cônjuge)

– Certidão de Nascimento, quando for solteiro

– Certidão de Casamento

– Certidão de casamento com averbação de separação ou divórcio

– Endereço

– Profissão

Como precaução é recomendado que as certidões citadas sejam emitidas em até 30 dias. Outra cautela, em situações de separação, o corretor de imóveis deve verificar se houve mudança em relação ao proprietário do imóvel.

A questão da qualificação das partes é de grande importância. Atualmente já existe decisão judicial impedindo o registro da escritura de compra e venda por não haver uma completa identificação dos vendedores. No caso julgado pela 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Minas Gerais o entendimento foi que mesmo a escritura sendo lavrada antes da Lei de Registro Públicos, por constar apenas os nomes dos vendedores, não podendo portanto individualizá-los, inviabiliza o registro. Neste exemplo, a escritura de compra e venda foi lavrada em 1972, mas só foi apresentada em 2014 para registro.

Outras informações como a descrição total do imóvel baseado com o registrado na matrícula da unidade, como a localização, dimensões e confrontações também deverão estar na escritura de compra e venda, assim como as vias e os comprovantes de pagamento do imóvel, informando o preço certo ajustado entre as partes e o pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis  (ITBI).

Este documento deverá ser lavrado em Cartório de Notas não sendo necessário ser feita na região onde está localizado o imóvel.

Após a lavratura, a escritura de compra e venda deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis que, além de dar publicidade, transfere de fato a propriedade ao comprador. O registro obrigatoriamente precisa ser realizado no cartório da circunscrição do imóvel.

– No sistema brasileiro, diferentemente do que ocorre em países como a França e Portugal, por exemplo, a transferência da propriedade não ocorre com a mera celebração do negócio jurídico de compra e venda, sendo indispensável que a respectiva escritura pública, que pode ser feita em um cartório de notas, ou o instrumento particular, nos casos em que a lei permite o seu uso, sejam registrados no cartório com atribuição para a prática do ato, na forma do art. 1.245 do Código Civil. Nas grandes cidades, existem diversos cartórios com atribuição registral, cabendo à Lei de Organização e Divisão Judiciária de cada estado da federação estabelecer a competência territorial de cada um desses serviços – comenta o vice-presidente do IRIB para o Estado do Rio de Janeiro, Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho.

Portanto o adquirente de um imóvel só passa a ser verdadeiramente o proprietário quando a transferência é realizada e registrada.

– As escrituras são levadas ao cartório do registro imobiliário, onde são submetidas ao que se denomina de qualificação registral. Não estando o título apto a registro, deverá o oficial indicar as exigências que deverão ser cumpridas, no prazo assinalado, sob pena de ser cancelada a prenotação, abrindo-se a possibilidade para o registro de um título contraditório e excludente do direito do comprador – destaca Eduardo Sócrates.

De acordo com o registrador, Rodrigo Ganhadeiro, alguns equívocos não permitem o registro da escritura:

– Os erros mais comuns que impedem uma escritura pública de compra e venda, são os que ferem os princípios da: Continuidade – que impede o lançamento de qualquer ato de registro sem a existência de registro anterior que lhe dê suporte formal e preserva as referências originárias, derivadas e sucessivas, de modo a resguardar a cadeia de titularidade do imóvel;

Especialidade Objetiva – que exige a plena e perfeita identificação do imóvel nos documentos apresentados para registro; Especialidade Subjetiva – que exige a perfeita identificação e qualificação das pessoas nomeadas nos títulos levados a registro. Os requisitos para a lavratura de uma escritura estão previstos na Lei nº. 7.433, de 18/12/1985, regulamentada pelo Decreto nº. 93.240, de 09/09/1986; no art. 215, do Código Civil e ainda no art. 231 e seguintes do Provimento CGJ nº. 12/2009, de 2009 (Consolidação Normativa da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Parte extrajudicial).

No caso de Minas Gerais, além da ausência de informações sobre os vendedores, um outro erro foi cometido: o longo período para levar o documento para registro.

Ao não levar a escritura para ser registrada, alguns problemas poderão afetar o comprador e a aquisição imobiliária, já que o imóvel permanecerá oficialmente no nome do vendedor:

Agindo com má-fé o vendedor pode alienar o mesmo imóvel duas vezes, o que representa uma possibilidade para o comprador perder a propriedade imóvel por não ter registrado o mais breve possível.

A dupla venda acontece quando um único imóvel é vendido para pessoas diferentes, sendo lavradas duas escrituras de compra e venda. Em virtude dessa ilegalidade o dono do imóvel será aquele que primeiro levar a escritura para ser registrada. Exemplificando: Maria vende o imóvel para José. Ambos vão ao Cartório de Notas para lavrar a escritura. Depois de lavrada, José guarda o documento e não leva até o Cartório de Registro de Imóveis para registro.

No mês seguinte, Maria torna a vender o mesmo imóvel que havia vendido para José, desta vez a venda é para Pedro, que segue as diretrizes corretamente e leva a escritura para ser registrada e se torna o novo proprietário do imóvel. Caso José procure o Cartório, não conseguirá realizar o registro pois o proprietário da unidade não será mais Maria e sim Pedro. (*os exemplos utilizados são fictícios)

A alegação de ter havido boa-fé não será suficiente para que se anule o registro da escritura, na medida em que o imóvel foi vendido para uma terceira pessoa também de boa-fé. Representa um prêmio para aquele que foi mais cauteloso e buscou seguir os trâmites corretamente para evitar prejuízos.

Para que situações como as descritas acima não aconteçam é necessário verificar se o vendedor é de fato proprietário e, indo mais além, analisar se existe a possibilidade dele perder essa condição por algum motivo o que acarretaria em prejuízos.

Neste sentido recomenda-se solicitar a Certidão Imobiliária do imóvel no cartório competente, mais especificamente a certidão vintenária, onde irá constar o nome do atual e outros proprietários do imóvel nos últimos 20 anos

Supondo que quem vendeu o imóvel tenha alguma dívida, acarretando em ação de execução contra ele por parte do credor, essa unidade poderá ser levada à leilão e consequentemente ser arrematado. Pela imprudência de não registrar a escritura o comprador poderá perder o imóvel.

Considerando a hipótese de existir uma penhora sobre o imóvel, este fato não inviabiliza a venda da unidade, nem o registro da escritura de compra e venda. O que acontece porém é que a penhora possui a prioridade sobre a venda, ou seja, para quitar as dívidas do vendedor, o imóvel poderá ser leiloado, mesmo que já tenha havido o registro da escritura definitiva.

Portanto os riscos na compra de unidades com esse perfil são muito grandes. Tal situação só comprova a necessidade de o corretor de imóvel ser prudente e analisar a Certidão do Imóvel para verificar se existe alguma restrição relacionada à unidade. Constando a informação da penhora na matricula do imóvel, o comprador não poderá alegar que não conhecia a existência.

Assim é fundamental buscar informações se há algum processo contra o vendedor, verificando se existe ações judiciais contra o atual e os vendedores anteriores, através da análise das certidões pessoais.

Não apenas para analisar a possibilidade de existir uma penhora não registrada, essa precaução é importante também para verificar a existência de fraude contra credores ou fraude à execução.

O primeiro caso de fraude está previsto nos artigos 158 e 159 do Código Civil:

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

  • 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
  • 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.

Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante.

Representam casos em que permitem aos credores anularem uma venda realizada pela pessoa que possui dívida para que o imóvel volte ao patrimônio do devedor e responda pelas dívidas.

Diferente deste caso, a fraude contra a execução acontece quando já existe ação judicial em andamento contra o devedor. Esta situação está prevista nas hipóteses descritas no artigo 792 do novo Código de Processo Civil:

Art. 792.  A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:

I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;

II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;

III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;

IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;

V – nos demais casos expressos em lei.

– Eventuais vícios do negócio jurídico realizado entre vendedor e comprador podem gerar a nulidade do registro, com a consequente perda do imóvel.  Pode haver risco de vendas feitas com procuração falsa, não outorgadas pelo verdadeiro proprietário do imóvel.  Deverá o comprador, ainda, fazer uma ampla investigação não só sobre o título aquisitivo do vendedor, como também em relação ao patrimônio do alienante, de maneira a evitar que o negócio seja desfeito por fraude à execução, ou seja, que a venda tenha ocorrido para prejudicar o direito dos credores do vendedor. Com a edição da Lei nº  13.097/2015 esse risco diminui sobremaneira, pois, doravante, caberá ao credor noticiar, por meio de averbação na matrícula, a existência de seu crédito. Destarte, a investigação sobre a saúde financeira do vendedor não mais caberá ao comprador, sendo ônus do eventual credor noticiar no registro de imóveis a existência de seu crédito, sob pena de não o fazendo tornar inatacável o negócio – ressalta Eduardo Sócrates.

Rodrigo Ganhadeiro elenca outras situações em que o registro pode ser cancelado e destaca que é um processo de grande importância

O cancelamento de registro apresenta-se como instituto de grande relevância, uma vez que é também, por si só, modo de aquisição e perda de direitos reais. Pode decorrer da convenção expressa das partes, conforme previsto na Lei nº. 6.015/73, art. 167, inciso II, item 2.O cancelamento pode, ainda, ser administrativo-judicial que é aquele que por provocação, ou de ofício, o juiz enquanto controlador da legalidade, após manifestação das partes interessadas, determina o cancelamento do ato, conforme regulado no art. 214, do citado diploma legal.

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fonte: https://creci-rj.gov.br/