Estado de necessidade não livra criminoso de responder por crime, decide TRF-4
Pobreza, exclusão social, falta de dinheiro ou desemprego não justificam a prática de atividades criminosas. Assim, o “aperto financeiro”, por si só, não caracteriza o estado de necessidade ou a inexigibilidade de conduta diversa, sob pena de violação dos princípios que regulam a vida em sociedade.
O fundamento foi ratificado pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao confirmar sentença que condenou um técnico de contabilidade por estelionato contra a Caixa Econômica Federal (CEF) e aos programas de amparo ao trabalhador (FAT e FGTS). Ele fraudou documentos para receber seguro-desemprego e fundo de garantia, mesmo estando empregado.
O relator da apelação, desembargador Leandro Paulsen, explicou que a excludente do estado de necessidade só é admitida quando há colisão de bens juridicamente tutelados, causada por fatores diversos, desde que o sacrifício de um destes seja imprescindível para a sobrevivência do outro. “Se há dois bens em perigo de lesão, o Estado permite que seja sacrificado um deles, pois, diante do caso concreto, a tutela penal não pode salvaguardar a ambos”, complementou.
Conforme Paulsen, o cometimento do crime de estelionato, especialmente em casos de continuidade delitiva, não pode ser afastado diante da alegação de ‘‘graves dificuldades financeiras’’. Ainda mais que o réu possui formação técnica em Contabilidade, podendo se valer de formas lícitas para a regularização de suas contas diárias. O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão virtual do dia 15 de julho.
Denúncia do MPF
Segundo denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), Ronaldo Adriano da Silva foi admitido pela empresa Ecoville Contabilidade e Assessoria Empresarial, com sede em Curitiba, no dia 24 de julho de 2014. Até ser demitido, de fato, em 16 de setembro de 2016, ele incorreu na prática de dois delitos em prejuízo da União.
O primeiro delito ocorreu quando ele rasurou a sua Carteira do Trabalho e Previdência Social (CTPS), fraudando a data de demissão, para simular uma rescisão de contrato de trabalho com o empregador. Para consumar o crime, ele falsificou a assinatura de um dos sócios no documento.
No passo seguinte, utilizando esta fraude, Ronaldo se dirigiu a uma agência da Caixa Econômica Federal (CEF) e sacou R$ 2.734,75 — valor referente ao total de depósitos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Com o mesmo documento fraudado, ele conseguiu sacar, ainda, três parcelas do seguro-desemprego — cada parcela no valor de 1.386,00 cada —, totalizando R$ 4.158,00. Ele foi incurso no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal (estelionato continuado contra entidade de assistência social pública).
Ouvido pela 9ª Vara Federal de Curitiba, o denunciado admitiu ter cometido os delitos, mas disse que o fez por estar passando por problemas financeiros. Afirmou que é arrimo de família, que sua esposa estava desempregada á época e que seu filho recém-nascido era acometido de constantes crises alérgicas. Por meio do defensor público, requereu sua absolvição, alegando ocorrência de excludente de ilicitude (estado de necessidade) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa).
Sentença procedente
A juíza federal substituta Sandra Regina Soares julgou totalmente procedente a denúncia, por verificar que o MPF conseguiu provar a materialidade e a autoria dos delitos apontados na denúncia-crime. A seu ver, ficou evidenciada a intenção do acusado em produzir o resultado delituoso, pois, agindo de forma livre e consciente, induziu a CEF em erro, obtendo vantagem ilícita.
Além disso, lembrou a julgadora, a 8ª Turma do TRF-4 já decidiu, ao julgar a apelação criminal 5002049-62.2015.4.04.7013, que a simples invocação da existência de graves dificuldades financeiras não torna lícita a conduta. Ainda mais quando o réu não alega nem comprova nenhuma circunstância excepcional apta a justificar as dificuldades financeiras.
“Seja como for, via de regra, dificuldades financeiras não justificam o reconhecimento de estado de necessidade e/ou inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que devem ser resolvidas por meio de atividades lícitas, como o faz a grande parte da população brasileira”, concluiu.
O réu acabou condenado a um ano, seis meses e 20 dias de prisão, em regime aberto, além do pagamento de multa. A pena corporal foi substituída por duas restritivas de direito: prestação de serviços comunitários, pelo tempo da pena, e pagamento de um salário mínimo. Por fim, atendendo expresso pedido do MPF na inicial, o juízo condenou o réu à reparação do dano. Com isso, ele deve devolver ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) R$ 6.892,75 — a soma dos valores levantados ilegalmente na empreitada criminosa.
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5015547-31.2019.4.04.7000/PR
fonte: https://www.conjur.com.br
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