Delegado de polícia baleado em serviço deve ser indenizado pelo estado

O policial ferido durante diligência deve ser indenizado pelo estado, já que atividades de risco inerente atraem a responsabilidade objetiva, e não a subjetiva. Assim, como o estado está no papel de empregador, nem é preciso apurar se agiu com culpa ou dolo.

Com este entendimento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho confirmou sentença que condenou o estado do Rio Grande do Sul a indenizar um delegado da Polícia Civil ferido no confronto com traficantes em Caxias do Sul. O colegiado manteve o valor da reparação por danos morais em R$ 50 mil, mas diminuiu, de R$ 50 mil para R$ 20 mil, a reparação pelos danos estéticos.

O relator da apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, afirmou que a obrigação de indenizar prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, se aplica também à responsabilidade complementar dos empregadores, nos casos de acidentes de trabalho que se desenvolvam em condições de periculosidade inerente. É que, à luz da Constituição, não se pode considerar dolo ou culpa com um ‘‘teto’’, mas como ‘‘piso mínimo’’ de proteção do trabalhador. Assim, nada impede que a legislação infraconstitucional amplie a proteção devida ao trabalhador, elo frágil da cadeia produtiva.

Conforme o relator, ao julgar o Recurso Extraordinário 828.040 – tema 932 da repercussão geral –, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o empregador tem responsabilidade civil objetiva em acidentes de trabalho nas atividades de risco inerente.

‘‘A atividade policial traz inerentes riscos aos policiais. E dentre estes riscos está o de os agentes serem surpreendidos por suspeitos e terem sua integridade física diretamente afetada. Não por outra razão há pagamento de verbas indenizatórias de antemão aos servidores públicos que exercem tais atividades’’, anotou no acórdão.

Ação indenizatória
O delegado da Polícia Civil Marcelo Grolli acabou baleado nas duas pernas e no braço direito durante uma perseguição a suspeitos de tráfico de drogas em Caxias do Sul, ocorrida no dia 7 de outubro de 2011. Para se recuperar das lesões sofridas, ele teve de passar por 16 procedimentos cirúrgicos e ainda precisou se tratar de transtornos pós-traumáticos e de ansiedade decorrentes do fato.

Na inicial indenizatória, ajuizada exatamente cinco anos depois do tiroteio, o autor argumentou que o fato de o estado ter custeado os procedimentos cirúrgicos importa no reconhecimento de sua responsabilidade pelos danos sofridos. Pediu R$ 50 mil de indenização para a reparação dos danos estéticos (cicatrizes) e mais R$ 50 mil a título de indenização por danos morais. Afinal, o fato que gerou os danos se enquadra como acidente de serviço, conforme reconhecido pela Resolução 51.868 do Conselho Superior de Polícia.

Citado pela 2ª Vara da Fazenda Pública de Caxias do Sul, o estado apresentou contestação, alegando, inicialmente, que a exposição ao risco é inerente à profissão de policial civil. Afirmou que o caso requer a aplicação da responsabilidade subjetiva, e não objetiva. Assim, antes de se falar em indenização, é preciso analisar elementos como conduta, dano, nexo causal e culpa do estado. Em síntese, é preciso a comprovação de conduta omissiva por parte do Estado e sua culpa (lato sensu) para o ocorrido, bem como o nexo causal entre o dano e a atuação estatal.

Sentença procedente
A juíza Maria Aline Vieira Fonseca julgou totalmente procedente a ação, inclusive acolhendo os valores sugeridos para o quantum indenizatório. Nas razões de decidir, a julgadora observou que, nas ações que envolvem segurança pública, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sinaliza que cabe ao empregador – no caso dos autos, o Estado do Rio Grande do Sul – demonstrar o correto e adequado cumprimento das normas de segurança.

Ou seja, o estado tem o ônus de provar que adotou os meios suficientes e adequados para assegurar a preservação da integridade física do seu servidor, respeitando as normas de segurança e medicina do trabalho, a fim de evitar ou diminuir o risco de lesões.

Conforme a juíza, a falta de treinamento técnico e o pequeno número de policiais destacados para um serviço de alta complexidade, como o de combate a uma quadrilha de traficantes de drogas, contribuíram para o evento danoso. Um dos policiais que estavam na ação – destacou a julgadora – disse que o 3º Distrito de Polícia, que conta com um delegado e três agentes, investiga e combate todo o tráfico de drogas em Caxias do Sul. Em juízo, a testemunha resumiu bem a situação dos policiais: ‘‘Treinamento, a gente recebeu na academia; depois, nunca mais”.

Processo 010/1.16.0026544-8

fonte: https://www.conjur.com.br