Justiça do Trabalho nega vínculo de emprego de pastor com igreja evangélica

Na última segunda-feira, 7 de agosto, foi publicada a Lei 14.647/2023, que altera o artigo 442 da CLT para prever a inexistência de vínculo empregatício entre entidades religiosas e seus membros. De acordo com a nova lei, a inexistência do vínculo aplica-se mesmo se os membros dedicarem-se parcial ou integralmente a atividades da administração da entidade ou instituição, ou se estiverem em formação ou treinamento. A nova lei determina que o vínculo empregatício poderá ser constatado somente se houver desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária.

A JT mineira já recebeu muitas ações sobre o tema, anteriores à nova lei. Uma delas foi analisada pelo juiz Marcelo Palma de Brito, quando atuou na 1ª Vara do Trabalho de Montes Claros. Ele julgou improcedentes os pedidos formulados por um pastor que pretendia ver reconhecido o vínculo de emprego com uma igreja evangélica. Na visão do magistrado, o trabalho dedicado à igreja por vocação religiosa não configura relação de emprego.

O homem alegou que iniciou o trabalho como obreiro na cidade de Montes Claros, em 29/4/2010, recebendo R$ 700,00 de “auxílio ministerial”. Relatou que morou nas dependências da igreja e exerceu a função de pastor auxiliar. Posteriormente, como pastor evangélico, morou em várias cidades, recebendo, para tanto, R$ 1.200,00. A dispensa, segundo alegou, ocorreu em 15/7/2021.

De acordo com o pastor, os pressupostos do vínculo de emprego se fizeram presentes, não se tratando de mero “voto de fé”. Mesmo porque “estava sujeito a uma cerrada hierarquia na reclamada”. Pediu, inclusive, que a moradia fosse considerada “salário in natura”.

Mas o julgador não lhe deu razão. Ao analisar as provas, o juiz concordou com a versão da defesa de que a prestação de serviços derivou de ministério vocacional incompatível com a relação empregatícia. “A vocação e a doação religiosas são livres. Não possuem amarras terrenas. Não podem ser confinadas aos estritos requisitos de um contrato de trabalho”, registrou na sentença.

A conclusão levou em conta a própria alegação do pastor de que teria sentido “o chamado” após passar a frequentar a igreja.  Para o juiz, ficou evidente que o homem se sentiu tocado por Deus ao procurar a igreja e se candidatar ao ministério, passando de fiel leigo a propagador da fé.  “Ao dizer que sentiu o chamado, o autor confessa a índole espiritual de seu ofício, de seu ministério, de sua vocação”, constou da decisão.

Outro ponto destacado foi que o pastor não mencionou na petição inicial e, mesmo em depoimento, que pretendia o lucro ou a sua própria subsistência e de sua família quando aderiu ao ministério. Além disso, ele redigiu carta de próprio punho externando o livre e exclusivo sentimento religioso que o levou a abraçar as vocações de obreiro e pastor. O documento, comum às partes, foi assinado com firma reconhecida em cartório.

Todas as provas do processo, incluindo o próprio depoimento do pastor, levaram o julgador a afastar a caracterização do vínculo. “Tratou-se de um ato de fé, uma escolha vocacional, e não um ato contratual, estando longe de uma avença empregatícia!”, concluiu o magistrado.

Pressupostos da relação de emprego

Ao fundamentar a ausência dos pressupostos fáticos e jurídicos dos artigos 2º e 3º da CLT, que tratam da relação de emprego, o juiz destacou que o autor tinha autonomia para escolher as pregações, definir a liturgia e era quem ministrava os sacramentos e a assistência religiosa. Em depoimento, ele confessou que indicava a pessoa que iria celebrar o culto em seu lugar. Segundo as provas, como pastor, era autoridade máxima e não era fiscalizado.

Tudo isso demonstra a grande autonomia e liberdade de crença com que o autor administrava o seu ofício religioso. E, claro, esse ofício religioso importava em administração dos bens temporais da instituição religiosa local, como os cuidados com o templo, custos de sua manutenção, dentre outros, algo estritamente ligado à finalidade religiosa”, frisou na decisão.

Quanto ao argumento pertinente à hierarquia imposta pela religião, o magistrado considerou não implicar a subordinação jurídica típica de um contrato de emprego. “A hierarquia religiosa e a obediência eclesiástica à autoridade superior em assuntos de fé e preceito não querem dizer subordinação empregatícia”, pontuou.

Com relação à onerosidade, o autor recebia um “auxílio ministerial” denominado prebenda, mas sem natureza remuneratória. “Trata-se de uma ajuda de custo voltada ao líder religioso para que este pregue e difunda a fé de maneira mais tranquila, sem as preocupações mundanas a respeito de como manterá a si e a sua família”, registrou o juiz.

No aspecto, ponderou o magistrado tratar-se de ajuda de subsistência comum nas religiões desde o Judaísmo (Deut., 18:1) até o advento do Cristianismo. O juiz registrou que em Coríntios, capítulo 11, versículo 8, o Apóstolo Paulo cita “(…) porque os irmãos que vieram da Macedônia supriram a minha necessidade; e em tudo me guardei de vos ser pesado, e ainda me guardarei”. Além disso, nos contratos de trabalho comuns, a ajuda de custo é destituída de natureza salarial (artigo 457, § 2º, da CLT).

Sobre os requisitos da pessoalidade e da não eventualidade, as provas revelaram que em muitas situações o autor poderia se fazer substituir na condução dos cultos evangélicos, podendo designar um obreiro ou um pastor auxiliar. Para o julgador, ficou evidente que não havia pessoalidade e eventualidade estritas.

Por tudo isso, o juiz decidiu não reconhecer o vínculo de emprego entre o pastor e a igreja ré. Ele ponderou que: “O exercício religioso, numa típica missão, numa profissão de fé, envolve o desempenho de atividades em comunidade. Sim, o pastoreio era a missão habitual do autor, mas não com o sentido de “não eventualidade” dos contratos de emprego. A comunidade cristã é base da religião, sendo que dentro dela, respeitada a hierarquia religiosa, deve haver mútua colaboração e isso escapa ao estrito sentido contratual de pessoalidade”.

Metas

Uma testemunha se referiu à existência de metas de arrecadação quanto a dízimos, ofertas e votos, além de reuniões para prestação de contas. Entretanto, as declarações não alteraram a conclusão do juiz, que ponderou tratar-se de práticas comuns a quase todas as denominações cristãs e que não anulam a vocação escolhida, o ministério de fé ao qual aderiu o autor.

Segundo o juiz, não cabe a ele, como magistrado, imiscuir-se na atividade religiosa da instituição ré, mas apenas analisar as características da atividade desempenhada pelo autor. E, no caso, ficou provado que era ligada a um estrito ministério religioso.

De acordo com a decisão, as práticas e metas de arrecadação da igreja ré, se corretas ou erradas, se normais para uma instituição religiosa ou não, não influenciam no enquadramento da situação do reclamante.

Tais questões devem ficar relegadas ao plano Divino, não cabendo a este magistrado realizar qualquer tipo de juízo de valor ou chegar a qualquer conclusão a respeito, ficando tal a cargo do Sagrado, conforme Evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos 21 a 23:

‘Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele Dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E, em teu nome, não expulsamos demônios? E, em teu nome, não fizemos muitas maravilhas? E, então, lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade’”.

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fonte: https://portal.trt3.jus.br