Pode o empregador OBRIGAR o empregado a tomar vacina contra COVID-19?
A imunização é uma das formas mais eficientes, em termos de custo, para evitar doenças.
Primeiramente, cumpre esclarecer que a situação política que envolve as vacinas para prevenção do contágio por COVID-19 não será discutida neste artigo. Será abordado apenas questões de ordem jurídica sobre a viabilidade de vacinação obrigatória na relação de emprego.
Feito isso, necessário deixar claro que a vacina é prevenção. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é categórica: a imunização é uma das formas mais eficientes, em termos de custo, para evitar doenças. Mas, as vacinas passam por uma série rigorosa de testes de validade e segurança para atestarem a sua eficácia, o que não cabe ao raciocínio jurídico invadir, por hora.
O que nos interessa no campo jurídico é a possibilidade da vacinação, quando disponível, introduzida na sociedade mesmo que esta opte por não a aceitar. Acontece que, o ordenamento jurídico brasileiro deve ser entendido com um todo amplo e cheiro proteções individuais e coletivas que devem ser respeitadas à luz da Constituição Federal.
Os aspectos básicos da Dignidade da Pessoa Humana sugerem uma série de garantias Constitucionais no sentido de reconhecer a liberdade individual de cada um para efetuar escolhas existenciais. Ou seja, deve ser levado em consideração a posição individual daqueles que não acreditam na eficácia ou segurança da vacina que está sendo produzida.
Não é nova a desconfiança popular da eficácia das vacinas. Aliás, é bastante compreensivo tal resistência, uma vez que a vacina introduz um “corpo estranho” no indivíduo que sequer tem conhecimento básico sobre o assunto.
Independentemente do pensamento individual, crença religiosa ou filosófica que afasta a possiblidade da aplicação da vacina por conflito com esses valores internos, há ainda a preocupação com a saúde da sociedade como um todo.
A saúde social está intimamente ligada a saúde individual. Em se tratando de um vírus que se propaga pelo ar e de indivíduo para indivíduo, é fácil perceber que o comprometimento sanitário está além dos direitos individuais trabalhistas. O corona vírus traz ameaças a vida humana e afeta involuntariamente a rotina de toda sociedade (saúde social), independentemente da convicção de cada indivíduo de forma isolada.
Ou seja, a contaminação por COVID-19, além de uma preocupação privada relacionada as empresas (que tem a obrigação legal de seguir as exigências sanitárias para funcionamento – uso de máscaras, por exemplo) é questão de saúde pública.
A introdução obrigatória da vacina, parece ser bastante invasiva. Soa como uma lesão a integridade física do indivíduo. Ainda mais quando a doença se apresenta de formas totalmente diferentes em pessoas diversas. As colusões médicas atestam que pessoas possuidoras de comorbidades ou doenças que afetam o sistema respiratório, tendem a ter complicações com o contágio por COVID-19.
Acontece que, não há comprovação exata dos reflexos médicos desta doença. Existem pessoas totalmente saudáveis vindo a óbito, enquanto outras com uma série de problemas de saúde, nem sofrem tamanhas complicações. Nada há de tão incerto como o resultado do contágio por coronavírus.
Mas, para o Direito, o que importa são os reflexos das escolhas individuas que podem produzir impactos não apenas sobre as relações intersubjetivas, mas também sobre o corpo social e, em certos casos, sobre a humanidade como um todo. Neste caso, tem-se a necessidade da imposição de valores externos aos sujeitos para alcança-los em sociedade.
A obrigatoriedade de vacinação não é algo novo no ordenamento jurídico brasileiro. Na verdade, a história do Brasil traz exemplos dessa obrigatoriedade. Em 1904, o Brasil passa pela Revolta da Vacina com o médico Oswaldo Cruz que motivou o governo a enviar ao Congresso um projeto para reinstaurar a obrigatoriedade da vacinação em todo território nacional, que até então não era respeitada.
Neste mesmo sentido, o Estatuto da Pessoa com Deficiência de 1990, norma vigente, em seu artigo 14, § 1º traz a obrigação de se vacinar crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
Art. 14, ECA: O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.
- 1º É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
A desobediência de tal disposição legal acarreta até mesmo responsabilidade do infrator nos termos do artigo 249 do mesmo estatuto:
Art. 249, ECA: Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena – multa de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
Isso significa que, não há vacinação forçada, mas sim, obrigatória. O pai pode recusar vacinar sua criança por ter convicções religiosas que o impeçam. Porém, não será isento da responsabilidade por não atender o disposto na lei. Ninguém será forçado a vacinar, mas as consequências do descumprimento legal estão dispostas na própria lei que o obrigou.
Claro que tais vacinas que são compulsórias às crianças, são aquelas que já passaram por testes suficientes para validar sua eficácia. No entanto, não é matéria jurídica discutir as implicações médicas ou validade e eficácia desse tratamento, por hora.
Há também a lei n. 6.259/1975 que dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, o Programa Nacional de Imunizações, normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências. Norma também vigente, que estabelece em seu artigo 3º que o Ministério da Saúde indicará as vacinações de caráter obrigatório:
Art 3º, Lei n. 6.259/1975: Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.
Parágrafo único. As vacinações obrigatórias serão praticadas de modo sistemático e gratuito pelos órgãos e entidades públicas, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional.
Não somente estas, mas o Decreto n. 78.231/1976, também vigente, dispõe de forma clara no artigo 27 e 29 que deve, todo cidadão, submeter-se a vacinação obrigatória.
Art. 27. Serão obrigatórias, em todo o território nacional, as vacinações como tal definidas pelo Ministério da Saúde, contra as doenças controláveis por essa técnica de prevenção, consideradas relevantes no quadro nosológico nacional.
Art. 29. É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória.
Parágrafo único. Só será dispensada da vacinação obrigatória, a pessoa que apresentar Atestado Médico de contra-indicação explícita da aplicação da vacina.
De forma específica, em relação ao surto mundial de COVID-19 com início em 2019 na China, a lei n. 13.979/2020 previu a possibilidade da vacinação como medida de enfrentamento da emergência de saúde pública:
Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas:
I – isolamento;
II – quarentena;
III – determinação de realização compulsória de:
- a) exames médicos;
- b) testes laboratoriais;
- c) coleta de amostras clínicas;
- d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou
- e) tratamentos médicos específicos;
Feita as considerações sobre o assunto de forma geral, tratarei a diante sobre este tema no íntimo específico do contrato de trabalho.
Obrigatoriedade da Vacina no Trabalho
Os empregadores, por força de lei, são obrigados a fornecer Equipamento de Proteção Individual aos empregados, assim como orientá-los de seu uso e fiscalizar o correto manuseio destes produtos. Tal imposição legal tem objetivo claro de proteger a saúde e segurança dos empregados no exercício de atividades que os expõe a risco.
A ausência ou não da vacina afeta de forma direta a saúde dos trabalhadores em uma empresa, fato. Porém, como já esclarecido, as campanhas de vacinação são questões de saúde pública, e não laboral. Contudo, a Corte Suprema não dispôs sobre a possibilidade de conduzir alguém à força para se vacinar, mas pode haver incentivos para que a vacinação se torne uma opção.
Isso poderia implicar em uma exigência da vacinação para o empregado voltar ao trabalho ou apresentar atestado médico que justifique o fato de não vacinar. Diante do poder diretivo do empregador, este pode até mesmo advertir o empregado que não atender a esta exigência.
Contudo, entendo que a advertência é uma medida bastante tênue comparado ao risco que se expõe com a presença do funcionário no estabelecimento comercial ou industrial sem a imunização da vacina.
Então, a conclusão lógica, segundo a ideia trazida pelo STF, entende-se que as empresas não podem obrigar seus colaboradores a se imunizarem, mas podem exigir o comprovante de vacinação para ingresso no local de trabalho e suas dependências.
As atividades que podem ser feitas por meios remotos de tecnologia, facilmente resolveriam a situação daqueles que não querem se vacinar. O problema está naquelas que exigem a presença pessoal do empregado.
Ninguém pode ser vacinado à força, mas à pessoa pode ser vedado o seu ingresso no estabelecimento laboral sem a vacina. Logo, a determinação de que, para trabalhar naquele local, o seu colaborador precise apresentar um comprovante de vacinação, se houver desobediência, pode ser alvo de punições como uma advertência ou suspensão.
Apesar de entender que a demissão por conta da não comprovação da vacina pela exposição do empregado ao risco do contágio, dificilmente, será revertida, porém, a demissão por justa causa neste caso é alvo de muitas discussões ainda.
Situação outra que evidencia a possibilidade de tal medida é a lei n. 14.019/2020 que diz em seu artigo 3º que as empresas devem fornecer a máscara ao trabalhador, além de outros equipamentos de proteção individual. Ainda, a mesma lei diz que as empresas devem fiscalizar e serão responsabilizadas (multadas) em caso de descumprimento. O simples fato da lei obrigar o trabalhador a usar máscara, tem o objetivo de proteger a todos, inclusive o trabalhador. Da mesma maneira, a vacina.
Em tese, vale destaque para a diferenciação da vacina obrigatória para a forçada. São situações diferentes. Em que pese ser obrigatória, o cidadão não será vacinado à força ou contra sua vontade. O que pode ocorrer, contudo, como incentivo à vacinação, é a tomada de atitudes na intenção indireta de fazê-la imperativa.
Por exemplo, ao aumentar restrições de iniciativas e atitude, até de circulação, para aquele indivíduo que não quis se submeter a vacina para sua imunização, no intuito de não comprometer a sua saúde e daqueles que o cercam. E foi justamente isso que o Supremo Tribunal Federal fez.
Caso o empregado não queira tomar vacina, entende-se que, além da obrigatoriedade ser dada como constitucional, o empregador pode aplicar sanções e punições (advertências e suspensões) para os que não a admitirem.
A dispensa por justa causa, neste caso, seria fundamentada pela insubordinação do empregado, se a vacina for condição para que esse trabalhador possa prestar seu serviço de forma presencial e regular.
Noutra ponta, nenhum empregador é obrigado a manter o contrato de trabalho de um empregado que, por escolha própria, coloca em risco a vida e a saúde dos demais colegas, tendo assim a empresa o poder diretivo de tomar medidas coercitivas que vise a garantia de saúde de todos os envolvidos.
Temos de fazer o melhor que podemos. Esta é a nossa sagrada responsabilidade humana – Albert Einstein
Ficou com dúvida, entre em contato.
Fonte: https://www.jusbrasil.com.br
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